Quando era pequeno, o meu brinquedo favorito eram os Playmobils. Conseguia entreter-me facilmente durante uma tarde inteira construindo territórios e fortalezas no meu quarto. Tapetes eram ilhas, sapatos eram barcos, berlindes eram balas de canhão, livros amontoados eram muralhas de castelos, colheres eram catapultas, paus da lareira eram fortes, estantes eram montanhas escarpadas e a cama era uma planície sem fim.

Dividia-os por fações: os cowboys, índios, piratas, bandoleiros mexicanos, os soldados medievais, os guerrilheiros árabes, o gang de punks e os soldados azuis (o nome que eu dava ao exército da União da guerra civil americana). Algumas dessas fações ramificavam-se. Havia bandos de cowboys fora-da-lei, duas ou três tribos de índios e várias tripulações piratas.

Depois, dispunha-os nos seus respetivos territórios e imaginava as estratégias defensivas e ofensivas de cada grupo. Após serem inventadas as divergências e as alianças, a ação decorria espontânea. O argumento destas batalhas era uma página em branco. Tudo poderia acontecer.

Eu e o meu primo Ricardo, que por vezes me acompanhava nestas aventuras, tínhamos as nossas personagens fixas. Eu era um cowboy de lenço vermelho, chapéu claro e vestes em bombazine e ele era um cabo dos soldados azuis. Passávamos sábados inteiros a imaginar batalhas épicas, com desfechos quase sempre surpreendentes.

Com o passar dos anos, estas personagens de mil e uma histórias foram adormecendo e acabaram a hibernar numa enorme caixa de cartão na garagem dos meus pais. Recentemente, resgatei-os. Não estou, propriamente, a planear brincar com eles, mas vou dar-lhes protagonismo, mais uma vez. Estes pequenos heróis, perpetuamente sorridentes, vão dar corpo à nova rubrica do meu Crónicas da Madrugada: Crónicas de um Playmobil.

A premissa é simples:

Em cada texto é captado um pequeno diálogo entre personagens dispersas nos séculos. É um diálogo solto, apenas focado no instante em que ele decorre. São conversas intemporais, podem decorrer na antiga Grécia, na época dourada da pirataria, na revolução francesa, na América esclavagista, nos anos 80, nos dias que correm, seja onde for. O único fio condutor é que há sempre uma pitada de pertinência nessa partilha dialética.
E nós, como se fossemos viajantes numa máquina do tempo, podemos presenciar e testemunhar esses encontros nas marés dos séculos.
Talvez esses encontros se repitam, talvez se entrelacem em diferentes vivências, ou talvez sejam fortuitos como o arbítrio do vento que sopra selvagem nas noites de tempestade.

 

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