Na Primavera de 2008 decidi que estava na hora. Há anos que andava a idealizar uma aventura, talvez a aventura da minha vida. Tinha 30 anos, quase a fazer 31. Não ia adiar mais. Avisei os meus editores no jornal que nesse ano ia juntar todos os dias de férias e todas as folgas em atraso. Comprei um mapa, um precioso guia da Rought Guide e uma teleobjetiva 70-300. Fiz a mala e parti. Foram 30 dias e seis mil quilómetros a atravessar Marrocos e um amontoado de histórias que até hoje estavam atulhadas nas gavetas da minha mente.

A velha Casablanca, montanhas do Atlas, cidades proibidas no topo de colinas inacessíveis, as vielas misteriosas de Marrakesh, o encanto cinematográfico de Ouarzazate, as noites ao relento com as areias do Sahara como colchão, o oásis surpreendente de Zagora, a esplêndida Aït-Ben-Haddou, as ruínas de volubilis, o encontro com as tribos berberes do médio-atlas, a Floresta dos Cedros cheia de macacos, a tempestade de areia no sudeste, o azul sem fim de Chefchaouen, entre tantos outros destinos, encontros e episódios memoráveis.

Esta viagem foi uma ode à liberdade. Tinha uma rota anotada no bloco de apontamentos, mas era apenas orientativa, moldável. A verdadeira rota iria desenhar-se na espontaneidade dos dias, ao sabor da brisa exótica que entrava como uma vaga pelas janelas abertas do carro, sem nunca amputar a magia dos acasos. Não fiz uma única reserva antes de partir. Encontrei sempre alojamento nas cidades e povoações onde decidi pernoitar. Em Marrakesh, a cidade onde fiquei mais tempo, dei-me ao luxo de visitar 12 riads na velha medina antes de me decidir por um, que reunisse o que tinha idealizado: Estar próximo da mítica praça Djemaa el Fna, ter um quarto confortável com casa de banho privativa, um pátio refrescante e um terraço idílico onde à noite pudesse ver as estrelas, ler e escrever. Encontrei tudo isso e com dois bónus adicionais.

Sei que esta forma espontânea de viajar faz confusão a muita gente. Mas neste tipo de viagens, roadtrips a descobrir um país, é a única que concebo. A genuína descoberta só se faz em liberdade. E a liberdade só se alcança quando a espontaneidade está presente.

Houve cidades onde eu tinha anotado que ficaria três dias e, depois de lá chegar, decidi ficar apenas um. E aconteceu o contrário, sítios que me surpreenderam e onde resolvi estender a estadia. Houve cidades ou regiões que nem sequer tinha planeado visitar. Houve oásis que só descobri existirem após me aventurar numa pista árida. Ou noites passadas em velhas povoações esquecidas no deserto que nem sequer estavam nos meus planos. Surgiram ao comer uma pizza Medfouna – num sítio que era suposto ser de passagem – e oferecer uma fatia a um local que, por sua vez, alimentou uma conversa.

A planificação é boa, não me interpretem mal. É primordial! Houve situações de eventual aflição (ou até perigo) das quais eu me safei devido à ampla pesquisa que tinha efetuado. Mas a planificação deve ser uma orientação. Uma importante orientação. Nunca um par de algemas que nos trancam a liberdade de escolha quando queremos explorar um país. Foi essa liberdade que me ofereceu uma aventura memorável.

Fez este mês 11 anos que a vivi. Acho que passou tempo suficiente para retirar essas histórias e essas memórias da gaveta. Criei esta secção para lhes dar um abrigo mais condigno. Espero que estas Crónicas Marroquinas vos façam viajar. Peço-vos apenas um favor. Nunca as leiam num espaço fechado. Sempre no exterior, na rua, jardim, parque, praia, floresta. Ou então, pelo menos, junto a uma janela aberta. Num sítio onde possam sentir o vento no cabelo. Foi essa a sensação que me guiou durante esses 30 dias. Quero que seja também o vosso guia na viagem que vivenciarão nestas páginas.

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